Chefes do PCC viram elite, e geração mais nova e violenta domina periferia

A cúpula do PCC enriqueceu com o tráfico internacional e passou a se infiltrar na elite da sociedade, alcançando status de máfia e se distanciando das periferias. Novas lideranças ocuparam os espaços deixados na base, mas, sem tanto vínculo com a ideologia original do grupo, são vistas por moradores, policiais, autoridades e especialistas como mais reativas, impulsivas e violentas.
O que aconteceu
Moradores mais velhos das periferias de São Paulo sentem a diferença: crimes voltaram a ser mais frequentes. Quem presenciou o controle da violência, sobretudo dos homicídios, nos extremos da capital, com o domínio do PCC, começa a ver agora um boom de violência como o dos anos de 1990.
Jovens associados ao PCC e donos de biqueiras são vistos como mais independentes. Um racha recente na cúpula revelou um descompasso com o estatuto da máfia, importante para o controle territorial.

Ex-traficante e ex-membro do PCC conta que antes roubos a trabalhadores eram totalmente proibidos. “Hoje, em qualquer baile, cheio de irmão [membro], o moleque tem que ficar ligeiro com o boné, com o tênis que tá usando. É quebrada roubando quebrada”, diz ele, que agora trabalha como cabeleireiro em um bairro da zona leste.
Palavra final segue com chefões
Geração mais nova do PCC manda, mas não tem a palavra final. Toda ação incisiva, por exemplo uma decisão do “tribunal do crime” ou homicídio planejado, precisa do aval de altos escalões, segundo um delegado que investiga crime organizado na PF (Polícia Federal).
Isso não significa que todo crime é ordenado por Marcola ou demais presos. Há escalões: na rua, quem manda na disciplina de São Paulo são os chefes da Bolívia, mas nem eles têm livre arbítrio. Podem ser penalizados por “atitude isolada” ou se atuarem “contra os mandamentos”.
Jovens apreendidos mudaram de perfil e estão mais ‘deslumbrados’ com o crime. Quem conta é um professor da Fundação Casa da capital. Teoricamente, o PCC não batiza menores de idade, mas, desde a pandemia, muitos deles chegam à unidade idolatrando a máfia e seus chefes —refletindo o que tem sido visto nas ruas: movidos por status e dinheiro.

Hoje, para muitos desses meninos, liberdade é ilusão sobre o dinheiro que acham que um dia vão ganhar na facção. É triste de ver, porque a culpa de eles não conseguirem enxergar outra perspectiva não é exclusiva deles.
– Professor que atua na Fundação Casa
Cada irmão “na sua caminhada”
Os principais líderes do PCC mudaram de vida após ascensão financeira. Desde pelo menos 2020, a PF já alertava sobre a infiltração de criminosos ligados ao PCC em setores da economia formal, o que fez o padrão de vida mudar. Consequentemente, ocorreu distanciamento com a base do PCC, que estava nas cadeias, favelas e periferias.
São duas mudanças marcantes: a econômica (área de atuação) e a política (organização). Os negócios foram diversificados, novos territórios foram ocupados, houve conluio de agentes privados e estatais e expandiu-se a lavagem de dinheiro. Isso levou a uma nova forma de produzir ordem e regular as relações de uma geração para outra. Novas regras organizacionais foram criadas.
Líderes vão para bairros nobres, novos membros ocupam a periferia e trazem outra visão de mundo. “As novas gerações chegam nesses espaços com suas próprias visões de mundo, sociabilidades e ordenamento, criando conflitos. Não há mais o respeito, controle e ordem criminal do PCC ‘das antigas'”, diz Eduardo Dyna, que pesquisa na UFScar (Universidade Federal de São Carlos) as mudanças das práticas, governanças, subjetividades e atuações do PCC em São Paulo nos últimos anos.
A própria expansão do PCC produziu esse cenário, pois não houve uma ‘formação’ dos mais velhos aos mais novos. Os primeiros foram atuar em outras atividades econômicas, deixando os segundos para gerenciar relações, condutas e ordens nesses espaços, sem aquela construção de ordem que foi produzida anteriormente.
–Eduardo Dyna, pesquisado

A “nova fase” começa em 2016, mas a própria organização mudou com o tempo. O racha recente da facção, quando de um lado ficou Marcola e, do outro, Tiriça, Andinho e Vida Loka, tem ligação com o “abandono” do PCC nas cadeias, favelas e periferias, explica a desembargadora do TJ (Tribunal de Justiça) Ivana David.
PCC de hoje mira mais em altos lucros e menos em “tocar terror”. A desembargadora diz que isso é reflexo tanto do crescimento acelerado da máfia quanto do isolamento e da transferência de integrantes da cúpula para presídios federais.
As transferências abriram um hiato de poder. É como se um pai fosse morar na Eslovênia: ele continua sendo pai, mas a criação é feita à distância, ou seja, perde o poder de ‘educação’, correção e coerção.
–Ivana David, desembargadora do TJ-SP


UOL