Cultura como instrumental de vigarices políticas
Assessores, integrantes de agremiações culturais e parlamentares do Maranhão são suspeitos de desvios de dinheiro de emendas parlamentares, utilizando a cultura maranhense como ferramenta de chicana política.

Recentemente a política maranhense estampou, mais uma vez, as páginas policiais com a deflagração pela Polícia Federal de um esquema de lavagem de dinheiro destinados a projetos culturais inexistentes. Na quinta-feira (17/10) policiais federais prenderam em flagrante três pessoas suspeitas de integrar o esquema quando faziam saques em espécie de aproximadamente R$ 500 mil. As pessoas presas são Maria José de Lima Soares (presidente do Boi de Maracanã e representante da Banzeiro Grande Produções LTDA), Larissa Rezende Santos (assessora da deputada estadual Andreia Rezende, PSB-MA) e Ivan Jorge da Piedade Madeira (presidente da Companhia de Cultura Popular Catarina Mina).
Segundo investigações, o dinheiro era fruto de emendas parlamentares encaminhadas a institutos culturais responsáveis por realizar eventos, os quais não foram executados.
Este é mais um exemplo da tragédia moral que sustenta nossa política brasileira. O nível de vigarice criativa dos agentes públicos em utilizar dos dispositivos parlamentares como instrumental para desviar dinheiro público expõe a mácula da nossa dinâmica política. Nossos representantes se tornaram investidores eleitorais que colhem o resultado destes esquemas a cada eleição. As emendas foram idealizadas com um propósito nobre de solucionar de forma mais imediata problemas urgentes de estados e municípios, geralmente destinados para as bases eleitorais do parlamentar. Muitas vezes são usadas para desenvolver projetos sociais e culturais, assim como executar ações sociais da saúde e educação, agilizando a execução de políticas públicas para a população.
No entanto, como no Brasil tudo tem um “jeitinho”, muitos parlamentares aproveitam as emendas parlamentares para ampliar e fortalecer capital político eleitoral – por meio de dinheiro público. Pior ainda é que tal iniciativa de nossa classe política parece receber o aval de parte da população, já que não é segredo que tal prática tornou-se comum e de conhecimento público. É um assunto que deveria causar uma imensa indignação coletiva, levar as pessoas às ruas clamando por responsabilização e punição dos envolvidos. Mas a realidade é bem mais caótica com um assunto que sempre estampou até hoje as páginas dos noticiários, já que apesar de numerosos os casos poucos dos responsáveis são condenados.
A população conformou-se com esta realidade, adotou uma postura apática diante de tanto descalabro e nada faz para combater isso, como se fosse uma espécie de conduta moral que se incorporou à cultura política brasileira. Talvez seja reflexo do “jeitinho brasileiro” praticados todos os dias pela mesma população. Isto reflete que quanto piores são nossas referências políticas e morais pior a conduta das pessoas, que entendem não haver conserto, o que enfraquece que as chances de avanço moral de nossa sociedade.
Sempre que parlamentares são envolvidos nessas presepadas políticas apelam para uma negação imediata ou espanto planejado. É o momento em que se fabricam as “notas de esclarecimento” para entreter a opinião pública com os velhos e entorpecidos clichês de quem ou não sabia, ou que não tem envolvimento, ou que foram surpreendidos, ou que são acusações infundadas, ou que são alvos da maldade alheia, etc.
Não é estranho situações vexatórias como esta poluindo o cenário político local, mas certamente ratifica que a prática do desvio de dinheiro de emendas parlamentares é algo normalizado e, infelizmente, até incentivado como ferramenta de marketing estratégico. Enquanto isso as políticas públicas de segurança, saúde, educação, cultura e desenvolvimento econômico são esquecidos nas empoeiradas e sombrias gavetas dos gabinetes, abrindo espaço para o crime organizado e para o avanço da miséria social que coloca o Brasil nas piores e mais vergonhosas situações perante o mundo.
A dinâmica política é feita por pessoas e estas são passíveis de erros. Porém, é preciso ter clareza de que o erro é corrigível, o que é totalmente diferente de fazer do erro ferramenta de usurpação do exercício democrático e do papel parlamentar, pois dessa forma seguiremos como uma eterna promessa de “futuro promissor”, consumidos pela miséria moral e ética de personagens herdeiros da velha e grotesca chicana política.