BrasilMundo

Exclusivo: EUA venderam rifles de precisão para unidade policial brasileira ligada a operação mortal

WASHINGTON, 7 de novembro (Reuters) – O governo dos EUA aprovou no ano passado a venda de rifles de precisão para uma unidade policial letal no Brasil, ignorando as preocupações do embaixador americano e de outros diplomatas de que as armas poderiam ser usadas em execuções extrajudiciais, segundo três funcionários americanos, atuais e antigos, e documentos vistos pela Reuters.
A unidade policial do Rio de Janeiro que adquiriu as armas, conhecida como BOPE, desempenhou um papel central em uma operação na semana passada que deixou 121 mortos , incluindo quatro policiais. Essa ação foi condenada por defensores dos direitos humanos e especialistas das Nações Unidas, que alegaram que algumas das mortes podem ter sido ilegais .
O BOPE adquiriu 20 fuzis de precisão fabricados pela Daniel Defense LLC, sediada na Geórgia, em um negócio não anunciado em maio de 2023, durante o governo do ex-presidente dos EUA, Joe Biden, de acordo com documentos internos da polícia do Rio de Janeiro vistos pela Reuters. As armas só foram recebidas em 2024, em meio a debates dentro do Departamento de Estado sobre a adequação da venda, segundo documentos internos da polícia do Rio e do Departamento de Estado dos EUA.
Segundo a legislação dos EUA, a exportação de armas geralmente precisa ser aprovada pelo governo. Embora o Departamento de Comércio frequentemente emita a licença final, o Departamento de Estado desempenha um papel fundamental no processo.
Elizabeth Bagley, então embaixadora dos EUA no Brasil, opôs-se ao acordo, assim como alguns diplomatas que trabalhavam com direitos humanos e questões de segurança pública, de acordo com um memorando do Departamento de Estado de janeiro de 2024 visto pela Reuters. Esse memorando descreve o BOPE como “uma das unidades policiais mais notórias do Brasil em relação a assassinatos de civis”.
A polícia do Rio de Janeiro – da qual o BOPE é a unidade mais notória – foi responsável por 703 homicídios no ano passado, segundo dados oficiais consolidados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
A Reuters não conseguiu apurar se os rifles de precisão fabricados nos EUA foram usados ​​pelo BOPE na operação da semana passada.
A BOPE também adquiriu supressores para os fuzis, produzidos pela Griffin Armament, sediada em Wisconsin, mas o envio dos supressores foi inicialmente bloqueado pelo governo dos EUA, de acordo com documentos e fontes. A Reuters não conseguiu determinar se os supressores foram enviados posteriormente.
Protesto após operação policial com vítimas fatais contra o tráfico de drogas em uma favela do bairro da Penha, no Rio de Janeiro.
Membros da unidade especial da Polícia Militar detêm suspeitos de tráfico de drogas durante uma operação policial contra o narcotráfico em uma favela do Complexo da Penha, no Rio de Janeiro, Brasil, em 28 de outubro de 2025. REUTERS/
Em comunicado, o Departamento de Estado afirmou que nenhum desses equipamentos teria sido negado ou atrasado sob a atual administração. Em abril, o presidente dos EUA, Donald Trump, revogou as diretrizes de 2023 emitidas por Biden, que impunham restrições mais rigorosas relacionadas aos direitos humanos na exportação de armas.
“As políticas externas desastrosas da administração anterior ajudaram e incentivaram as gangues mais violentas do nosso hemisfério”, disse um porta-voz do Departamento de Estado à Reuters. “No ano passado, o Departamento de Estado de Biden negou equipamentos de defesa essenciais a parceiros de segurança confiáveis ​​no Brasil, ao mesmo tempo em que lhes pedia para proteger o presidente Biden durante sua viagem ao Rio de Janeiro em 2024. Em prol de um hemisfério mais seguro, continuamos comprometidos em garantir que nossos parceiros tenham o que precisam para combater criminosos violentos.”
Biden visitou o Brasil no final de 2024 para participar da cúpula do G20 daquele ano.

AUTORIDADE DE TRUMP DEFENDEU A VENDA

A compra, orçada em cerca de US$ 150.000, não foi a primeira desse tipo realizada pelo BOPE. A unidade já havia importado com sucesso pelo menos 800 fuzis fabricados nos EUA, segundo documentos do Departamento de Estado. No entanto, uma série de incursões mortais envolvendo a unidade nos últimos anos alterou os cálculos de alguns diplomatas, de acordo com as autoridades e os documentos.
Entre os mais fervorosos defensores da transação estava Ricardo Pita, então o principal assessor para assuntos da América Latina na Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Representantes, controlada pelos republicanos, de acordo com dois funcionários americanos que pediram anonimato para descrever as deliberações internas.
Pita é atualmente um conselheiro sênior para Assuntos do Hemisfério Ocidental no Departamento de Estado. Nessa função, Pita, nascido na Venezuela, se reuniu em maio com o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, que está preso, um importante aliado de Trump e defensor declarado do trabalho do BOPE.
A Daniel Defense, a Griffin Armament, a polícia do Rio e o governo do estado do Rio não responderam aos pedidos de comentários, assim como o Departamento de Comércio.
Fotos mostram crueldade da chacina de Vigário Geral, onde 21 moradores foram mortos por PMs, há 25 anos | Blog do Acervo - O Globo

Diplomatas se opuseram ao acordo.

Em meados de 2024, Pita, que não respondeu a um pedido de comentário, visitou uma unidade do BOPE no Rio como parte de uma delegação de funcionários do Congresso, disseram as autoridades. A visita irritou alguns diplomatas, já que o Departamento de Estado frequentemente cita a polícia do Rio em documentos públicos por supostos abusos de direitos humanos.
Mais tarde naquele ano, Pita pressionou diplomatas para que aprovassem a venda dos silenciadores que acompanhavam os fuzis, acrescentaram as autoridades. As autoridades disseram estar surpresas com a persistência de Pita em insistir na venda, visto que ela representava uma pequena parte de seu portfólio, que, em teoria, se estendia da fronteira EUA-México até a Patagônia.
Após ingressar no Departamento de Estado, Pita começou a questionar internamente os funcionários do Departamento de Estado sobre quais diplomatas haviam se oposto à transação, disseram dois dos funcionários.
Alguns funcionários do Departamento de Estado apoiaram a venda.
Essas transações costumam ser aprovadas, em parte porque departamentos de polícia estrangeiros normalmente obtêm armas de outro país quando estas são rejeitadas pelos EUA, disseram vários funcionários familiarizados com processos de venda semelhantes. O BOPE também é a principal força brasileira encarregada de proteger o consulado dos EUA no Rio de Janeiro em caso de ataque, disseram os funcionários.
Chacina no Rio: “Alguém se sente mais seguro agora?” | Outras Palavras

UNIDADE POLICIAL POPULAR NO RIO

O trabalho da unidade é amplamente popular entre os moradores do Rio, cansados ​​da violência , incluindo a atuação de gangues fortemente armadas. Uma pesquisa nacional realizada pelo instituto AtlasIntel e publicada na sexta-feira mostrou que 55% dos brasileiros apoiam a operação policial, com o apoio subindo para 62% entre os moradores do estado do Rio. Policiais do Rio perderam 55 colegas em atos de violência no ano passado, segundo dados oficiais consolidados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Ainda assim, especialistas independentes têm criticado frequentemente o histórico de direitos humanos do BOPE, e a polícia do Rio de Janeiro, em geral, tem sido alvo constante de críticas nos relatórios anuais do Departamento de Estado sobre direitos humanos no Brasil.
“Havia um padrão persistente de impunidade nas operações policiais (no Rio), que frequentemente resultava em um número significativo de mortes, acusações de uso excessivo da força, execuções extrajudiciais e negação de atendimento médico a suspeitos de crimes feridos”, dizia o relatório de 2023.
Um memorando do Departamento de Estado de janeiro de 2024, que recomendava contra a venda de armas, observou que a unidade estava envolvida na morte de 23 pessoas durante um único incidente em 2022. Esse evento — conhecido como o “Massacre de Vila Cruzeiro” — foi o fator decisivo para alguns diplomatas não aprovarem a venda, embora o BOPE já tivesse recebido armas americanas no passado, disse um funcionário.
Havia também preocupações de que armas destinadas ao combate ao crime pudessem, na verdade, ser usadas para fins criminosos, acrescentou o oficial. Promotores estaduais abriram um processo no ano passado contra alguns agentes do BOPE por seus vínculos com grupos criminosos organizados chamados “milícias”, que praticam extorsão em toda a cidade.
Agência Reuters

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo