O decreto que promete colapsar de vez a educação nacional
Decreto Nº 12.686/25 pretende ser inclusiva com crianças e pessoas com alguma deficiência, mas despreza a realidade cruel da educação nacional que sobrevive a duras penas.

O governo federal emitiu um decreto que já começa causando calafrios em pais e profissionais da educação brasileira. Trata-se do Decreto Nº 12.686/25 que institui a Política Nacional de Educação Especial Inclusiva e a Rede Nacional de Educação Especial Inclusiva, com o objetivo de buscar fortalecer a inclusão escolar de estudantes com deficiência, transtorno do espectro autista (TEA) e com altas habilidades ou superdotação para todos os níveis, em turmas regulares e escolas comuns.
O objeto deste decreto em si é até nobre, mas carece de fundamentação prática e ilustra que o Ministério da Educação elaborou tudo isso sem ouvir os demais atores de toda esta cadeia que compõe nosso sistema educacional. O decreto não foi bem recebido pelos profissionais da educação especial (professores, coordenadores, psicólogos, pedagogos, etc.) e, principalmente, os pais de crianças especiais.
O decreto praticamente obriga alunos de escolas especializadas, como as APAE’s, a se matricularem nas escolas da rede regular e, pior, com a dispensa da obrigação do laudo médico destas crianças que certifica o tipo de transtorno ou deficiência que possuem. O decreto despreza todos os aspectos e fatores que são parte da realidade educativa do país, ainda mais das crianças especiais. Vejamos o caso de crianças com deficiências múltiplas ou de espectro autista nível 2 e 3 de suporte (que muitas vezes não são verbais e precisam até mesmo de apoio para tarefas básicas, como se alimentar). Elas vão sair de uma APAE para frequentar uma sala de aula comum. O choque não será apenas inicial, mas contínuo – uma vez que não há o suporte necessário para a continuidade do aprendizado especializado destas crianças, as quais já estão adaptadas.
Na prática, este decreto vai piorar e muito o já catastrófico sistema de ensino do Brasil que já padece de vários problemas, como falta de estrutura, professores qualificados, falta de segurança, violência, evasão escolar, enfim. O decreto traz como fundamento princípios como a garantia de acessibilidade e desenvolvimento de tecnologias assistivas. Porém, maioria das escolas regulares, sobretudo as públicas, não tem até hoje uma melhora de sua realidade, então não há como inflá-la com alunos que necessitam de um suporte especializado porque não vão encontrar nestas escolas. Haverá um choque de realidades entre todos (professores, alunos, pais e profissionais da educação).
Alguns entusiastas e ativistas pelo direito das pessoas com deficiência (como Ivan Baron) apoia o decreto por acreditar que este combate a discriminação e a evasão escolar desse público. Investimento em salas de recursos multifuncionais e a formação de professores é algo que continua como promessa política, e piora a cada dia.
As escolas públicas que tem alunos com deficiências múltiplas não conseguem atendê-los de forma qualitativa, pois não há suporte material e pessoal suficiente. As escolas particulares também sofrem para atender toda a demanda escolar com a estrutura que dispõem, fazendo adaptações físicas de suas instalações, buscando profissionais especializados (alguns escassos no mercado), sem onerar os pais através das mensalidades e ainda assim é muito complicado de manter.
Imaginemos um professor que dá aula pra vinte ou trinta alunos todos os dias em sala, que já demanda muita atenção e esforço deste professor. Ele terá que incluir em seu dia a dia mais alunos e com necessidades tão específicas que precisarão de suporte especializado – a qual este professor não tem – e sem um laudo médico para ajudá-lo a incluir esta criança de forma a melhor acolhê-la. O que vai acontecer é que este professor ficará mais sobrecarregado, a criança não terá o amparo educacional adequado para sua aprendizagem, a criança será excluída, os demais alunos serão prejudicados e os pais destas crianças atípicas (que já perderam seu direito de escolha pelo decreto) serão penalizadas junto com seus filhos por não terem um atendimento adequado.
O senador Flávio Arns (PSB-PR) anunciou um projeto de decreto legislativo (PDL 845/2025) para suspender os efeitos do Decreto Nº 12.686/25. Segundo o senador o governo desconsiderou a diversidade de necessidades entre pessoas com deficiência e atípicas, afirmando que quem deve decidir o que é mais benéfico para estas crianças é a família.
Quem deve decidir se uma criança vai pra uma escola especializada ou regular são os pais, e não o governo através de uma canetada. Forçar uma escolha não é inclusão, mas sim exclusão. O sistema educacional brasileiro já vivencia uma dura e cruel realidade que castiga todos os envolvidos em sua estrutura, e até hoje nada é feito para mudar isto. Logo, este decreto só piora a questão dos alunos atípicos e pessoas com deficiência, pois se aumentar a demanda nas escolas regulares, tal como determina o decreto, o resultado será um verdadeiro colapso da educação brasileira, e tudo em nome de um discurso ideológico de inclusão que despreza fatores reais de evasão e estagnação de aprendizagem.



