Política

Reunião secreta de senadores sela acordo com Moraes para tirar tornozeleira de Do Val

Encontro na casa de ex-presidente da Câmara contou com a presença de outros ministros
do STF

Um grupo de senadores liderado por
Davi Alcolumbre (União Brasil-
AP), presidente do Senado Federal,
acertou na noite desta terça-feira com
os ministros Alexandre de Moraes,
Edson Fachin e Luís Roberto
Barroso,
do Supremo Tribunal
Federal (STF), um acordo para
encerrar a crise provocada no
Congresso pela implantação da tornozeleira eletrônica no senador
Marcos do Val (Podemos-ES) na última segunda-feira.

Pelo acordo descrito à equipe da coluna por fontes a par da negociação, o
Senado apresentará na tarde desta terça-feira um pedido de revisão das
medidas cautelares determinadas por Moraes contra Do Val – que o
ministro deve atender. Em contrapartida, em algum momento mais
adiante a mesa diretora do Senado deverá suspender o mandato do
político capixaba pela divulgação de relatórios sigilosos da Abin
sobre o 8 de janeiro entregues à Comissão Mista de Controle das
Atividades de Inteligência (CCAI).

Um dos artigos do Conselho de Ética do Senado prevê a perda
temporária do mandato parlamentar em caso de divulgação de “conteúdo
de debates ou deliberações que o Senado ou Comissão haja resolvido
devam ficar secretos”.

No encontro realizado no final da noite de terça-feira na casa do expresidente
da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (sem partido) em
Brasília, os senadores expuseram a Moraes uma situação que poderia
desmoralizá-lo no momento em que ele enfrenta críticas pela prisão
domiciliar de Jair Bolsonaro e a oposição vem recolhendo assinaturas
para protocolar um pedido de impeachment do ministro.
De acordo com o aviso do grupo a Moraes, as cautelares dele sobre Do
Val teriam necessariamente que passar por uma análise do plenário,
segundo o próprio Supremo determinou em outro caso semelhante
ocorrido em 2017 – quando o próprio Senado derrubou o afastamento e a
prisão domiciliar do então senador Aécio Neves (PSDB-MG),
investigado por corrupção passiva e obstrução de Justiça no caso
da delação de Joesley Batista, da JBS.

De acordo com eles, Moraes fatalmente seria derrotado, dado o clima de
revolta no Congresso. Desde segunda, parlamentares bolsonaristas
ocuparam os plenários das duas Casas como parte da obstrução das
atividades legislativas, em protesto contra a prisão de Bolsonaro.
Bolsonaristas também já reuniram o apoio de 40 senadores à abertura de
um pedido de impeachment contra o ministro. Para derrubar as
cautelares seriam necessárias 41 assinaturas.
Na reunião de ontem, senadores estimaram que o placar contra ele
ficaria próximo das 50 assinaturas, o que poderia acirrar a crise
institucional provocada pela prisão do ex-presidente.

Para evitar uma desmoralização de Moraes perante o Congresso,
Alcolumbre e o grupo de senadores pediriam uma revisão da decisão, que
seria aceita por Moraes. Num segundo momento, porém, a mesa do
Senado suspenderia o mandato de Do Val.
Após ouvir a exposição dos senadores, Moraes, Barroso e Fachin deram
aval à iniciativa.
Participaram da conversa, além de Alcolumbre, Rodrigo Maia e dos
ministros do STF, os senadores Eduardo Braga (MDB-AM), Omar
Aziz (PSD-AM), Renan Calheiros (MDB-AL), Cid Gomes (PSB-CE)
e Weverton Rocha (PDT-MA).

De acordo com o que um dos participantes da reunião relatou à equipe da
coluna, a avaliação desse grupo é que Do Val já deveria ter sido cassado,
considerando seus antecedentes.
Além de divulgar documentos secretos do Senado, parlamentares
lembram que o senador capixaba não escondia que andava armado e
admitiu publicamente a intenção de grampear Alexandre de Moraes para
anular as eleições de 2022 em uma trama que, segundo ele, envolveu
também o então deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) e Jair Bolsonaro
após sua derrota eleitoral para Lula.

Efeito Orloff
A questão é que, apesar do perfil histriônico, instável e controverso de Do
Val, para os parlamentares o que conta não é propriamente quem foi alvo
das sanções, mas o fato de que a imposição de Moraes cria um
precedente considerado perigoso, por representar uma interferência
injustificável do Judiciário sobre o Legislativo.
“Os senadores olham para o Do Val e pensam que amanhã podem ser
eles. É aquela coisa do “eu sou você amanhã”, resumiu um interlocutor
do grupo.

Do Val foi alvo de uma operação da PF logo após retornar de uma viagem
aos Estados Unidos que, nas palavras de Moraes, “afrontou” uma
decisão do próprio Supremo que determinou a apreensão dos
passaportes do político capixaba em agosto de 2024.
Do aeroporto de Brasília, onde desembarcou, ele foi foi encaminhado
pela PF diretamente para a Secretaria de Administração Penitenciária do
Distrito Federal para a instalação da tornozeleira por ordem do ministro.
A adoção da medida cautelar no caso de um senador no exercício do
mandato agravou a revolta dos senadores, entre outras questões pelo fato
de que ele não foi ainda nem denunciado formalmente em um inquérito
que apura a ação de Do Val contra delegados da PF que atuam no
inquérito da trama golpista e no caso da chamada Abin paralela.

“O clima está realmente péssimo e é preciso dar uma desanuviada. Tem
que escolher [os alvos]. Ninguém ataca a Rússia e os Estados Unidos no
mesmo dia”, comparou uma fonte próxima de ministros do STF que
estão preocupados com o rumo da rebelião.
Desde a segunda-feira, o episódio da derrubada da cautelar que
determinou o afastamento e a prisão domiciliar do então senador Aécio
Neves em 2017 vinha sendo lembrado como saída para a situação de Do
Val.
Horas antes do pai ser submetido à prisão domiciliar por ordem de
Moraes, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) cobrou publicamente o
presidente do Senado, Davi Alcolumbre, a se posicionar “acerca dos
reiterados abusos de autoridade cometidos pelo ministro”, em referência
à tornozeleira de Do Val. Nos bastidores, acredita-se que Alcolumbre será
pressionado a derrubar as restrições contra o parlamentar capixaba.

As medidas cautelares contra o senador do Podemos ordenadas por
Moraes, bem como as demais impostas pelo STF no ano passado, foram
tomadas dentro de um inquérito que apura se Do Val intimidou
delegados da PF que atuam no inquérito da trama golpista e no caso da
chamada Abin paralela.
Além da tornozeleira eletrônica, ele deve se submeter ao recolhimento
noturno de 19h às 6h, com exceção dos dias em que as sessões do Senado
avançarem para além desse horário, e durante todo o dia aos finais de
semana, feriados e dias de folga.
Os bens, investimentos e até verbas de seu gabinete no Senado foram
congelados por ordem do Supremo. Já as contas bancárias de Do Val
foram bloqueadas quando ele ainda estava nos EUA, alegadamente em
viagem de turismo com a família.


O Globo

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