Coluna do Convidado

Voto de Fux sacudiu STF ao expor questão de legitimidade da Corte para julgamento

William Waack

Não se pode cometer crimes para combater crimes. Com essa famosa frase justificou-se no Supremo a anulação da Lava Jato. Os ecos dessa mesma frase voltaram para assombrar o mesmo Supremo.
Vieram pela boca do ministro Luiz Fux, no julgamento de Bolsonaro que, segundo ele, nem sequer deveria ser matéria para o Supremo. Em outras palavras, o julgamento tem um vício de origem que já está sendo amplamente explorado pelos réus e seus movimentos políticos.
Fux fez mais do que estragar uma festa da “lição de democracia” pelo julgamento de Bolsonaro.

Arrebentou a imagem da própria instituição com a afirmação de que “papel do julgador não pode ser confundido com ator político”.
O problema na divergência aberta por ele na Primeira Turma não é apenas a meritória discussão jurídica sobre provas, cerceamento ou não da defesa, normas internas do STF (no caso de turma ou plenário) e entendimento de foro privilegiado. Involuntariamente ou não, o que Fux levantou foi o papel político que o STF assumiu.

Ele expôs uma rachadura perigosa para a instituição, que já teve embates violentos entre seus integrantes (por exemplo, no mensalão). A diferença fundamental em relação ao episódio de 20 anos atrás é o fato de o STF ser visto hoje por parcela substancial da sociedade como parte do embate político, não como instituição que apenas cumpre seu papel constitucional.

A rachadura é séria, pois não se registrou nada parecido quando o Supremo assumiu, na prática, o papel de “ministro da Saúde” informal durante o governo Bolsonaro, por exemplo. Ou quando seus integrantes, por meio de conversas coordenadas, se mobilizaram para colocar freios institucionais no próprio Bolsonaro.

O “pecado original” desta vez não está apenas na gradativa transformação do STF em mais uma instância da política brasileira. Refletindo o que ocorre em outros setores, também a Corte perdeu figuras de projeção e liderança – ou as que ainda existem internamente perderam a capacidade de “dirigir” informalmente a conduta do conjunto.

Perdeu-se o controle sobre um de seus principais integrantes, o ministro Alexandre de Moraes, cuja conduta já vinha causando sensível irritação entre alguns dos colegas. Isso viria à tona mais cedo ou mais tarde, mas explodiu com virulência num momento de circunstâncias particularmente difíceis.

Elas são a brutal pressão política da Casa Branca sobre o Brasil, exatamente pela atuação do STF, e a articulação de anistia que é uma afronta declarada à própria Corte. A questão de legitimidade do STF é o problema que o voto de Fux levantou.

Estadão

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