Hermano Tavares: “Não é exagero falar em epidemia dos transtornos do jogo”

Fundador do ambulatório do jogo do Instituto de Psiquiatria da USP diz que, com bets e cassino online, vivemos o maior boom de casos de compulsão desde os anos 1990.
No rádio, na televisão, na internet, no campo de futebol, na camisa de jogadores: as casas de apostas esportivas, mais conhecidas como bets, são onipresentes. Assim como os caça-níqueis online, que a toda hora aparecem em pop-ups na tela ou mesmo nas atualizações de redes sociais, como “amigos” que te marcam numa imagem.
Esse verdadeiro ataque persecutório que o brasileiro sofre de jogos eletrônicos tem levado muita gente a um buraco fundo tanto financeiro, quanto psiquiátrico. Pesquisa do Instituto Locomotiva mostra que um terço dos apostadores tem dívidas. Quase metade deles é formada por jovens na faixa dos 20 anos e 34% pertencem às classes C, D, e E.
No campo da saúde, não é exagero falar que, no que diz respeito à saúde, já virou uma epidemia, segundo afirma o fundador e coordenador do Programa Ambulatorial do Jogo (PRO-AMJO) do Hospital das Clínicas, Hermano Tavares. “É uma epidemia e não é exagero dizer que é uma pandemia”, afirma. “Por analogia, a única diferença [de uma pandemia] é que não é um patógeno, não é um vírus ou uma bactéria. É um vírus digital.”
Esse caráter eletrônico traz um complicador, segundo Tavares: “A potencialização das apostas digitais traz a velocidade digital para o contexto do jogo”. Ou seja, o mercado é dinâmico e sabe ler o recado dado pelos jogadores, adaptando-se rapidamente para ter mais adeptos.
Isso tudo é visto no cotidiano de trabalho do médico psiquiatra, que assistiu a capacidade de atendimento dos grupos e ambulatórios do Instituto de Psiquiatria da USP chegarem ao limite. Ele fala que ainda não há a especialidade de tratamento dos transtornos do jogo nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), mas que com vontade política e administrativa do Ministério da Saúde é possível capacitar uma rede de profissionais para atender os brasileiros com o transtorno, contingente que tem se multiplicado com alta velocidade.

“O vulnerável somos todos nós, que estamos expostos à possibilidade de jogar, que somos bombardeados por celebridades nos convidando a jogar. (…) Esse país baniu a publicidade de tabaco e proibiu o uso de tabaco em prédios públicos. Mas as apostas invadiram tudo, é bet, bet, bet”, afirma Tavares.
UOL